Na “fita” errada
Quem não se lembra de ver, nos filmes, volta e meia, uma mala, daquelas de executivo, cheia de maços de notas? Normalmente, maços de dólares norte-americanos, não fossem, a maioria dos filmes, provenientes também desse ponto do globo. A mala que entra nesta história, no seu interior, durante alguns anos, também transportou muitos e muitos maços de notas, não de dólares, mas de escudos. Passo a explicar o insólito meio de transporte, insólito ou talvez não, dado o exemplo corriqueiro das suas “gémeas” das ditas fitas.
Tive um colega que, numa comparação, no mínimo, grosseira, dizia que eu era como certos médicos, com determinada especialidade, médicos que trabalhavam com o que os outros se “divertiam”. Médicos à parte e “divertimentos” também à parte, eu era tesoureiro, trabalhava com dinheiro e, em tempos idos, numa firma já desaparecida, nos Armazéns Conde Barão, maços de notas de escudos emala, pelo menos, uma vez por dia, acompanhavam-me. Ou só nas idas ao banco, ou nas idas e vindas. Aquilo era feito de forma tão natural e sem nenhuma “manobra de diversão”, que provavelmente, por isso mesmo, nunca tive nenhum “problema”. Nunca tive nenhum tipo de “problema”, até aquele dia.
Um dia, numa tarde, vinha eu e a minha malinha (por acaso vazia), de um banco, já a meio da rua Fresca, rua onde eram os escritórios da firma, a pensar em ir beber um cafezinho na tasca do Silva, quando, do nada, passa por mim um tipo a correr, uns metros à minha frente detém-se e, oiço uma ordem atrás de mim:
- Quieto ou disparamos!
Sem pinga de sangue, aquela rua Fresca, de repente, fez jus ao nome e ficou gelada, pelo menos eu fiquei. Lentamente virei-me e, no meio da rua, estavam dois senhores de arma em punho. A minha vontade foi largar a malita e desatar a correr dali para fora. Mas, entretanto, um deles, com a mão, fazia-me sinal, não para lhe dar a mala, mas para me desviar da mira da sua pistolinha. De repente fez-se luz na minha cabeça desnorteada. Aquilo não era comigo. Era um “figurante” no filme errado. Eu só estava a atrapalhar. Estava entre um fugitivo e os seus perseguidores. De muito “mansinho” saí de cena. Os perseguidores (polícias) algemaram o fugitivo e meteram-no no carro que estava parado, de portas escancaradas, lá atrás, no início da rua, a atrapalhar o trânsito da rua do Poço dos Negros. Não me lembro bem, mas com toda a certeza, o cafezinho que eu vinha a pensar tomar passou a uma bebida bem mais forte!
E na realidade, aquela mala, cheia ou vazia, como se vê, nunca me causou qualquer transtorno!