A herança
Parte do que aqui é contado não deve ser exclusivo do protagonista desta história.
Era uma família pobre.
Ele era um dos muitos filhos do casal.
Não sei, se de entre eles, se era dos mais velhos ou dos mais novos.
Mas seria talvez dos mais velhos.
Com 14 ou 15 anos veio de Trás-os-Montes para o Porto trabalhar.
Não sei se foi muitas vezes à “terra”. Acho que não.
Veio, na “tropa”, para Mafra.
Em Lisboa conheceu a sua futura esposa e, pela capital (ou arredores), por cá, ficou.
Não sei se a sua família em Trás-os-Montes da cepa torta não passou ou se, com menos filhos por perto, prosperou. Mas é natural que sim. Ele e mais um ou outro dos que foram obrigados a abandonar o seio familiar, é provável, que ajudassem, enviando dinheiro.
Muito mais tarde, na morte do último progenitor, creio, o seu pai, recebeu a herança, a única herança que os seus irmãos, daqueles que ficaram lá na “terra”, lhe enviaram, diligentemente e com um bilhete a o informar de que aquela tinha sido a vontade do pai (não me perguntem como o fizeram chegar às suas mãos).
Um sacho.
Um sacho para um alfaiate.
Esta era a profissão dele.
Um alfaiate a morar nos subúrbios de Lisboa. Num prédio. Num terceiro andar.
Mesmo assim, quando num certo dia, a esposa ou o filho, numa daquelas “arrumações” que fazemos habitualmente para nos livrarmos de coisas inúteis e para arranjar mais espaço, o deitaram fora, ao velho e ferrugento sacho, quase teve um ataque cardíaco.
Era a herança dos seus pais.
E até, quem sabe, um dia, o sachinho, ainda poderia vir a ser útil.
Enfim, herança diminuta, à parte, eu, escriturário de profissão e, que guardo religiosamente as ferramentas (de marceneiro, ou carpinteiro ou de estofador) do meu avô, mais peças de museu do que outra utilidade, afinal até o compreendo bem.