Uma mosquinha-morta apanhada na teia
Lá no escritório, existia um gabinete desocupado e, cuja localização, obrigava um corredor (o que nos levava até ao centro do dito “estaminé”) a fazer um L, ou seja, após passarmos a esquina desse gabinete, o corredor virava à direita, depois à esquerda e finalmente seguia em frente novamente.
A propósito ou não, o patrão (por vezes tinha esse hábito) inventou uma nova “necessidade”, um novo “cargo”, uma lacuna qualquer que ele vislumbrou no organigrama. Nunca saberemos se essa nova “necessidade” apenas surgiu, na sua cabeça, de modo a “compor o ramalhete”, que é como quem diz, de modo a ocupar o tal gabinete vazio, ou então, se era mesmo, uma falta imperdoável e, por isso mesmo, um cargo urgentíssimo a criar, um posto de trabalho imprescindível no bom desempenho da Firma. A verdade é que o plano se pôs em marcha, marcha que implicou uma pequena intervenção no gabinete. O patrão não gostava de gabinetes “opacos”, não gostava que depois de porta fechada, nada se visse, lá dentro, dos gabinetes. E neste caso concreto, dada a essa “necessidade” tão necessária (passe a redundância), o seu futuro ocupante, se estivesse, assim, tão fechadinho, tão “opaco”, no seu cubículo, até não seria de espantar, que uma vez por outra, caísse nos “braços de Morfeu”. Assim sendo, entram em campo as Construções X, especialistas em obras de “Santa Engrácia”, a quem lhes é encomendada a obra de grande vulto, a de substituir um painel de madeira, na esquina do gabinete, por um de vidro, deste modo, no futuro, quem passasse no corredor, podia ver o seu ocupante e o seu, mais que certo, ar compenetrado a desempenhar a sua enigmática, mas “árdua” tarefa. De pronto, o painel de madeira foi retirado, contudo, o vidrinho que o deveria substituir é que demorou um pouco mais a ser lá colocado, ficando o gabinete, por sorte, ainda desocupado, um bocado “esventrado”.
Neste espaço de tempo, entre mete e não mete o vidro, não é que um colega, com toda a certeza, com os mesmos dotes “visionários” do patrão, viu ali uma oportunidade de, sempre que ia pelo corredor, encurtar caminho, se ia para lá, metia-se pela porta do gabinete e saía pela abertura, aquela que estava “pacientemente” a aguardar o vidrito, se vinha no sentido inverso, aí ia ele direitinho à abertura e aparecia, ao dobrar a esquina, a sair da porta desse gabinete. Enfim, era um entretém, que como está bom de ver, apesar da “celeridade” das obras, tinha os dias contados, o colega foi de férias, e não é que, finalmente, os senhores das Construções X, descobriram o vidro certo para lá colocar e, vejam bem, até o colocaram! No dia em que o colega regressou de férias, vamos os dois a falar pelo corredor fora e eis senão quando, sem dar tempo de o avisar, este se enfia porta adentro, do escuro gabinete e, se vai “esborrachar” contra o vidrinho recentemente ali colocado, tal qual, uma mosquinha, como uma mosca-morta numa enorme teia de aranha!
Nota: Ainda bem que o patrão se lembrou do dito vidrinho, do vidro que mais parecia uma montra, uma montra para o interior do gabinete, um interior que seria tão desinteressante como qualquer outro, não fosse, depois de ocupado, a sua “inquilina”, ter, entre outros atributos, uns olhos esverdeados de tirar a respiração a qualquer um.
Já quanto ao que fazia ali, naquele gabinete, na Firma, até hoje é um verdadeiro mistério para mim.