A central telefónica estava, mais ou menos, entre as duas secretárias, a minha e aa da colega, mas mais no lado dela, era uma das suas funções, “pilotar” aquilo, que é como quem diz, atender as chamadas. Existia ali a ideia errada que qualquer um de nós o deveria fazer. Ideias ligadas à polivalência. Ideias muito interessantes. Não fosse o caso de um ter sido contratado para, entre outras funções, assumir aquela, ter aceitado a remuneração de acordo com isso a e, o outro, ter aceitado também a sua remuneração, de acordo com as funções para as quais, em tempos, tinha sido contratado, das quais não fazia parte aquela. Teimosia à parte, mais que justificada, claro, estando disponível, em caso de ausência temporária da colega, este lá ia atendendo, uma ou outra chamada, quanto mais não fosse, para deixar de ouvir a central a “apitar”.
Mas, pelo menos uma, uma chamada, diária, quase sempre, pela mesma hora, eu, esforçava-me por atender, deixava tudo o que estava a fazer e, corria a estender a mão para o telefone, estivesse a colega, ali, pronta a atender ou não. Do outro lado da linha, estava uma “menina” com uma voz que me deixava derretido, não era para mim, a chamada, que pena, era para o armazém, contudo, ficávamos ali, os dois, em “salamaleques” uns minutos antes de eu, por fim, lá me resolver em passar a chamada.
Com a colega, a dar menos nas vistas, mais recatada, passava-se, algo do género, com alguém, do outro lado da linha, curiosamente, da mesma empresa, da empresa da menina de voz doce.
- O senhor X é tão educado, tão distinto, sim senhor, é um cavalheiro, etc. etc.
Dizia ela, a colega, coisas deste tipo, mais para si do que para este seu colega da secretária do lado, ao desligar a chamada. E enfim, assim, ficávamos nós, com os nossos botões, se calhar, cada um de nós, a imaginar, a dar corpo àquelas vozes.
O dia chegou, tanta “corda” se deu, de parte a parte que, a prometida visita aconteceu, a pretexto de qualquer coisa, ou de coisa nenhuma, a curiosidade a morder, uns papeis a entregar por mão própria, serviram a causa, os dois colegas, a voz doce e o senhor X, apareceram, ali, nas nossas instalações.
Ficaram, do outro lado, na espécie de balcão, existente entre o armazém e o nosso gabinete. O senhor X, quase que teve de se pôr em bicos-dos-pés, para chegar ao balcão e, dali, de sorrisinho, cumprimentou-nos e, lá trocou, atrapalhado, meia dúzia de palavras de circunstância, com a minha colega.
- Que saco de batatas! Baixinho, gordo e feio!
Exclamou ela depois.
- Imaginava outra figura para aquela voz!
Desabafou ainda.
Quanto à voz doce, não me desiludiu, era bonita, mas, alguém, um meu colega, com a melhor das intenções, acredito, aos meus ouvidos, tinha soprado, antes, coisas pouco abonatórias acerca dela, coisas que estupidamente esfriaram o meu entusiasmo.
Pelo meu “arrefecimento”, ou então, tal como o senhor X foi uma desilusão para a minha colega, eu, se calhar, talvez também tenha sido um desastre para a voz doce, certo, certo é que, as seguintes chamadas, quando as atendia, eram rapidamente reencaminhadas ao armazém, ficando no ar, entretanto, a vaga promessa, de um encontro para um “cafezinho”, nunca concretizado.